Filho de um telegrafista e ourives, Mário Franco Gaiger carrega uma história empreendedora que se confunde com a formação do comércio santa-mariense. Aos 89 anos, o carismático empresário, que fundou sua primeira loja há 65 anos, fala de sua vida e da liderança e do pioneirismo na ótica e joalheria que carrega o seu sobrenome. 

De lá para cá, sua trajetória foi marcada por grandes conquistas de cunho pessoal e de valorização do potencial do município: “Acredito que todos nós que escolhemos Santa Maria para morar, certamente estamos aqui com o objetivo de torná-la o melhor lugar para se viver”, opina. Ele buscou, desde cedo, servir à comunidade e ajudar no que fosse preciso, inclusive dentro de casa no amparo de seus seis irmãos: “Fui escoteiro e participei por muitos anos dos acampamentos. Devo a isso meus princípios sólidos de vida, de respeito, de caráter, de busca pelo bem comum”, enumera. 

Mário Gaiger aprendeu tudo do universo da ourivesaria com seu pai, que também foi um empreendedor e teve um pequeno negócio na área. Apaixonou-se pelo processo de fabricação de joias, porém, ao perceber que havia poucas pessoas no ramo da ótica no Rio Grande do Sul, decidiu fazer um curso profissionalizante de ótico em Caxias do Sul, recebendo seu certificado de conclusão em 1956 pelo Departamento Estadual de Saúde. Foi aí que o menino, que chegou a tentar ser aviador, consolidou seu amor pelas lentes e descobriu a missão de ajudar as pessoas a enxergarem melhor – em um momento em que a área dava seus primeiros passos pelos interiores do Brasil. 

Em 1957, abriu sua primeira loja na emblemática Rua do Acampamento – símbolo de uma época em que a cidade vivia em função da pujante viação férrea e o comércio ficava aberto até meia-noite: “Trabalhava a madrugada inteira a fim de atender à alta demanda de clientes e porque os trens saíam pela manhã e precisavam levar nossas encomendas para outras cidades. Nesse tempo, não havia oftalmologistas. Então, atendia pessoas de todo o Estado e também de Santa Catarina e Paraná, que vinham fazer óculos conosco”, explica. 

Ele comenta com satisfação sobre ter sido o primeiro, na região, a produzir as famosas lentes multifocais, surgidas em 1959, consolidando o nome da família no segmento. Porém, mesmo encantado pelo novo ofício, não deixou de estudar, graduando-se em Economia em 1960.  

Em função do reconhecido pioneirismo, o empreendedor – que hoje é o presidente de honra da ótica e joalheria – passou por inesquecíveis momentos profissionais, até pelo fato de ir com frequência a São Paulo fazer cursos e acompanhar a evolução tecnológica dos processos.  Em um evento de óticos organizado em Blumenau (SC), conheceu um grande importador com quem fez amizade e que o convidou a conhecer grandes fabricantes da Alemanha Ocidental e da Alemanha Oriental – no início dos anos 60, a Guerra Fria dividiu a Alemanha em duas, além de outros países como Suíça, Itália e República Tcheca: “Viajei para a Europa por 10 anos à procura de novidades e fiz muitos contatos, visitei os principais relojoeiros e joalherias do mundo”, explica.

UMA LIDERANÇA EMPRESARIAL EM SANTA MARIA

Preocupado com o desenvolvimento da cidade que o acolheu tão bem, Seu Mário, como é chamado pela comunidade, sempre foi também um grande incentivador da criação de espaços de empreendedorismo e de busca de lideranças. É membro da Associação dos Dirigentes Cristãos de Empresas (ADCE), sócio da Associação Brasileira de Ótica (ABCI), participou da Fundação de Apoio à Tecnologia e à Ciência (FATEC) como presidente do primeiro conselho e membro de sua diretoria em várias administrações, presidiu a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) nos anos de 1973, 1978 e 1979, foi membro da Câmara de Comércio, Indústria e Serviços de Santa Maria (CACISM) por várias gestões, além de ter sido sócio-fundador do Sindicato Ótico do Rio Grande do Sul (SINDIÓTICA), fundador do Conselho de Desenvolvimento de Santa Maria (CODESMA) e um dos fundadores da Fundação Educacional para o Desenvolvimento e Aperfeiçoamento do Ensino (FUNDAE). É por esta última, entretanto, que os olhos experientes do empresário brilham mais. Voltada à capacitação profissional de jovens de baixa renda, a instituição oferecia diversos cursos profissionalizantes nas áreas de mecânica, usinagem, cuidado de idosos, manicure, panificação, entre outros. 

No seu auge, a FUNDAE chegou a contar com um prédio de três andares dentro da própria UFSM: “Com uma grande estrutura, chegamos a beneficiar mais de 15.000 alunos, que não só aprendiam uma profissão como também levavam uma formação moral e humana para a vida”, orgulha-se. Para ele, foi lastimável a cidade ter perdido o programa de capacitação: “Uma de minhas grandes felicidades foi poder ajudar estas pessoas, então dói em meu coração que não esteja mais no município”, lamenta.  

RELIGIOSIDADE – UM PILAR DE GRANDE IMPORTÂNCIA

O empresário Mário Gaiger também é um homem de grande fé. Atuante dentro das instituições católicas desde menino, ele comenta com muita alegria seus momentos como um dos fundadores do Cursilho, movimento que, em 2022, fará 50 anos em Santa Maria: “A convite de Dom Érico Ferrari, eu e mais três amigos fomos fazer o Cursilho da Diocese de Apucarana, em Londrina, e ficamos tão empolgados que assumimos o compromisso de realizar o movimento aqui na cidade”, relembra. 

Assíduo frequentador de missas nas paróquias de Santa Maria, uma grande satisfação sua é sempre ter apoiado inciativas religiosas e de valorização da fé cristã: “Recordo com muita alegria a construção do Santuário da Medianeira, que hoje recebe uma grande quantidade de romeiros todos os anos. Acredito que a fé faz as pessoas melhores, assim como a cidade”, observa. 

FAMÍLIA, POLÍTICA E AMIGOS 

Marido dedicado de Vera Medina, sua companheira há 30 anos, Seu Mário também é um pai, avô, bisavô e trisavô orgulhoso. Da união com Carmem Lígia, nasceram Lúcio Flávio, 65 anos, que é médico em Florianópolis, Marianne, 56 anos, que é professora de Educação Física radicada na Suíça, Thiago, que trabalha com turismo em Natal, no Rio Grande do Norte, e Carlos Eduardo, 63 anos, Cláudia, 59 anos, e Andréa, 53 anos, que seguem o legado do pai administrando a ótica e joalheria Gaiger. Completam a prole, os netos Pedro – único da terceira geração a dar continuidade ao trabalho em família –, João, Bruno, Mariana, Luiza e Vinícius, os bisnetos Joana, Bento, Murilo, Giovana e Otávio, e o trineto Dante. 

Mesmo com um terreno sólido no ambiente familiar, o economista se vê preocupado com os rumos que o país tomou politicamente e se diz receoso pelas gerações mais novas: “Trabalhei a vida toda e fico preocupado ao ver o governo esbanjando o dinheiro de nossos impostos. Como uma pessoa do meio comercial, vejo os empresários amarrados em leis e cargas tributárias pesadíssimas e isso me faz perder a confiança nos governantes”, justifica.

O sorriso volta ao seu rosto ao falar de seus amigos fiéis – com quem faz questão de manter contato – e dos churrascos semanais para conversar e dar risada: “Mantenho minha saúde e disposição assim e também me exercitando regularmente e evitando bebidas alcoólicas em excesso”, ensina. Os próximos planos são voltar às praias, lazer que adora, e a Aparecida do Norte: “Meu objetivo também é seguir trabalhando pelo bem comum e continuar sendo útil”, encerra. 

 

*Foto: Vanessa Marconato. Matéria originalmente publicada na Revista Interativa, edição janeiro 2022.